sexta-feira, dezembro 22, 2006

Rio, RJ - Temporada Teatral 2007

Texto da capa do Segundo Caderno de O Globo de quinta, 21.12.2006:

Temporada Musical
(Alessandra Duarte)

O teatro carioca descobriu o caminho dos musicais e fez questão de não esquecer. A temporada do ano que vem será aberta por "Chacrinha", que estréia dia 5 de janeiro no Centro Cultural Correios.

Depois vem "Sweet Charity", com Claudia Raia, que chegará aqui vindo de São Paulo para reinaugurar o Teatro Casa Grande em junho ou julho, pelas mãos de Claudio Botelho e Charles Möeller -- os mesmos do projeto de "A noviça rebelde", que ganhará sua segunda versão brasileira, com estréia no segundo semestre também no Casa Grande. Miguel Falabella continua com seu "Império" no verão de 2007 no Carlos Gomes, mas estará, como diretor, tradutor e ator, em "The producers", mais uma versão nacional para um musical da Broadway, desta vez o que virou filme em 2005 com Uma Thurman, Nathan Lane e Matthew Broderick. A história musical continua em 2008, quando "My fair lady", primeiro dos grandes musicais da Broadway a ganhar uma versão brasileira, nos anos 60, vem ao Rio.

Apelido veio de rádio numa chácara

Com 20 músicas do repertório brasileiro dos anos 40 aos 80, "Chacrinha" virá pelas mãos do diretor do musical de "Clara Nunes", Edu Mansur.

Para recriar o mundo do Velho Guerreiro, Mansur foi atrás dos primeiros trabalhos dele na rádio, antes da TV.

-- Infelizmente não há nenhuma gravação do Chacrinha no rádio; pesquisamos nas rádios, mas as gravações não foram guardadas. Ele fazia os programas de rádio de um jeito que as pessoas em casa achavam que ele estava num cassino, batendo em objetos, dizendo que estava vendo o Orlando Silva passar ali atrás. E isso de ceroulas, que é como ele ficava no estúdio -- conta o diretor, que também conversou com familiares de Abelardo Barbosa. -- Ele ganhou o apelido de Chacrinha porque a Rádio Clube de Niterói, onde ele começou, nos anos 40, era numa chácara; o estúdio ficava entre galinhas e patos, e esses barulhos vazavam nas transmissões. De Chacarazinha, veio Chacrinha.

O musical também traz Dona Florinda, mulher de Chacrinha, e episódios como a coroação de Roberto Carlos como Rei da Juventude, a invenção do "Vocês querem bacalhau?" (de um pedido feito a Chacrinha por Venâncio Veloso, dono do supermercado Casas da Banha, que estava com estoque de bacalhau encalhado e precisava promovê-lo) e os shows de calouros (o público vai escolher o melhor calouro em cada apresentação da peça). Se na televisão "nada se cria, tudo se copia", no teatro o ator Luciano Pullig teve a tarefa de reviver Chacrinha sem copiá-lo:

-- Não quis que fosse mais uma caricatura das tantas que já fizeram dele -- diz Pullig, que viveu personagens da vida real como Carlos Machado e Mario Prata no musical "Grande Otelo". -- Minha primeira tentativa de chegar perto do Chacrinha foi pelo timbre de voz, anasalado. E prestar atenção no olhar dele, um olhar que nunca se perdia, que sempre estava ligado no que acontecia no programa. Era também um olhar alegre e meio debochado, que gostava de ver os calouros indo mal e das coisas mais esdrúxulas. "Esdrúxulo", aliás, era uma palavra de que ele gostava muito.

Outro musical da temporada do ano que vem (que terá ainda "Sassaricando", sobre a história das marchinhas), "A noviça rebelde" deve estrear em outubro ou novembro no Casa Grande.

-- Primeiro vem a estréia de "Sweet Charity" no Rio, em junho ou julho. Aliás, antes deste vem ainda outro, o "Sete", musical nosso com o Ed Motta que finalmente deve sair, em maio, no Teatro Glória -- diz Claudio Botelho. -- "A noviça rebelde" é o sonho de infância de todo mundo. Depois de uma primeira montagem, nos anos 60, esta será a segunda montagem brasileira completa do musical, que foi apresentado aqui na década de 80, mas muito adaptado e sem orquestra.

O elenco todo será escolhido por teste, inclusive a noviça.

-- Principalmente ela. Temos que achar alguém que possa cantar naquele registro, muito agudo. Não adianta ter uma pessoa famosíssima que não consiga cantar. O público vai querer isso -- acrescenta Botelho.

Arranjos e repertório não virão do filme com Julie Andrews, mas da peça original com Mary Martin no papel protagonista:

-- Há umas cinco canções na peça que não estão no filme. Mas há também duas canções que foram escritas para o longa e que temos autorização para usar: "I have confidence in me", que a Maria canta quando sai do convento e decide trabalhar na casa do capitão, e o dueto de amor da Maria com o capitão, "Something good".

"My fair lady" entrou para a História não só pelas atuações de Bibi Ferreira, Paulo Autran e Jaime Costa, mas porque, segundo Claudio Botelho, responsável pela nova versão em português das músicas, a tradução das canções virou piada obrigatória entre tradutores por conter frases como "Vou me casar em matrimônio".

De Trem da Alegria a uma "fair lady"

Na montagem que estréia em São Paulo em março e chega ao Rio em 2008, foi escolhida por audição, para o papel que foi de Audrey Hepburn no filme de George Cukor (ganhador de oito Oscars), Amanda Acosta, que quando criança fez parte do grupo Trem da Alegria e já participou de musicais como "Godspell" e "Grease".

Também houve testes para o personagem do Professor Higgins, que se apaixona pela protagonista porque ela o tira do sério, e o diretor Jorge Takla escolheu alguém com quem já havia trabalhado antes:

-- Daniel Boaventura, com quem fiz "A Bela e a Fera", "Chicago" e "Vitor ou Vitória?". É, sem dúvida, nosso primeiro ator de musicais atualmente. Essa obra tem um repertório que não dá para enganar, você tem que cantar (no filme, Audrey Hepburn era dublada por Marni Nixon, apesar de ter ensaiado as músicas e cantado nas filmagens).

Na época de Bibi Ferreira, "My fair lady" era encenado de terça-feira a domingo, com matinês quinta-feira, sábado e domingo. Sem microfones.

-- A voz ficava muito bem, obrigada. Só não podia sair dali e conversar -- lembra Bibi.

Na direção e na interpretação de um dos papéis principais de "The producers", o do produtor teatral Max Bialystock, Miguel Falabella já está fazendo as traduções do texto e das músicas do espetáculo, que deve entrar em cartaz no segundo semestre de 2007 em São Paulo. Vladimir Brichta será o contador Leo Bloom, e Danielle Winits, a secretária Ulla; junto com o produtor Max, os dois resolvem produzir um musical que seria um fracasso, superfaturando-o para ficar com a diferença, mas o musical acaba sendo um sucesso.

O resto do elenco da peça será escolhido por audição.

-- Fizemos um acordo com a produção argentina do musical e estamos trazendo cenários e figurinos de lá, além de parte da equipe técnica ser americana -- diz Sandro Chaim, produtor da peça, que, após uma temporada de oito meses em São Paulo, pode vir ao Rio. -- Houve o risco de ela não vir por falta de espaço na cidade para um grande musical. No Carlos Gomes não daria, porque teria de haver ingresso mais barato, já que ele é da prefeitura e este é um espetáculo caro. Mas estamos estudando o Casa Grande.

O problema enfrentado por "The producers" para se apresentar na cidade foi o mesmo de "Cabaret", "Chicago", "Les misérables", "Rent", "O fantasma da Ópera" e "O beijo da Mulher Aranha", alguns dos musicais apresentados em São Paulo e que o Rio -- principal palco de grandes musicais do país no passado -- não viu. Outro musical será encenado este ano, novamente em São Paulo: "Miss Saigon", trazido pela produtora CIE, estréia em meados de 2007, terá elenco brasileiro (as audições já começaram) e direção e equipe técnica estrangeiras.

A culpa pela falta de musicais no Rio, segundo a classe, vai para a ausência de condições técnicas (fosso de orquestra, por exemplo) dos palcos cariocas, e para a política de preços de ingressos no Rio, mais baixos que os de São Paulo. O que algumas produções fazem é primeiro amortizar a produção lá, para depois vir para cá.

-- O novo Casa Grande vai ser um dos bons palcos para musical no Rio, com fosso e mil lugares -- diz Claudio Botelho. -- Os teatros cariocas realmente não são preparados. O Villa-Lobos poderia ser, se não estivesse abandonado, assim como o Carlos Gomes, se a prefeitura não insistisse em cobrar ingresso de R$ 25. Fizemos a “Ópera do malandro” por três anos e não ficou nada a desejar -- acrescenta ele, observando que a tendência é que os teatros se preparem para receber os espetáculos à medida que o mercado de musicais for crescendo.

-- Só que não dá para fazer esse tipo de espetáculo cobrando barato. É caro em todo lugar do mundo. As pessoas pagam para ir a restaurante, para sair à noite, e acho que o teatro tem que começar a ser valorizado também -- diz.

Miguel Falabella observa que os teatros do Rio não têm condições técnicas para receber esses espetáculos:

-- O Carlos Gomes precisa de uma reforma, o palco tem de ser todo mexido e seu sistema elétrico uma hora terá que ser todo refeito. Os grandes musicais hoje usam tecnologia. Quando fizemos "O beijo da Mulher-Aranha" em São Paulo, o Teatro Jardel Filho ficou no osso para fazerem uma reforma. Era tudo computadorizado: ninguém faz nada na mão, você aperta um botão e o cenário vira. Além disso, o Rio não tem dinheiro. O paulista médio gasta bem mais que o carioca médio. Sem falar que, aqui, todo mundo agora paga meia-entrada.

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