Mídia - Teatro Municipal do Rio
Lago das crises
Municipal sofre com falta de verba e déficit de 80 artistas
A menos de dois anos de seu centenário, que será comemorado em 2009, o Teatro Municipal do Rio está tendo de escolher entre pagar o vale-refeição dos funcionários ou a conta de luz do imóvel. Foi assim no mês passado, quando a administração da casa viu acabarem os recursos da Associação de Amigos do Municipal.
Era o dinheiro da associação, dizem funcionários do teatro, que estaria ajudando o espaço a se manter no primeiro semestre de um ano em que seu orçamento foi a menos da metade dos anos anteriores. A crise no Municipal abarca ainda um déficit de cerca de 80 artistas em seu corpo fixo, além de atraso de dois meses no pagamento dos salários dos funcionários terceirizados nos setores técnicos e administrativos, que corresponderiam a cerca de 70% desses setores.
O agravamento da situação da casa ocorre num momento em que há um vácuo de poder na Secretaria estadual de Cultura, já que o atual secretário, Luiz Paulo Conde, está de partida para Furnas, e o deputado federal Jorge Bittar (PT) ainda não disse se aceita ou não o convite para substituí-lo, feito pelo governador Sérgio Cabral. O governador disse ter sabido da situação do teatro pelo GLOBO e que se reunirá com o presidente da casa, Luiz Paulo Sampaio.
A diminuição do orçamento do teatro para este ano, de R$ 4 milhões para R$ 1,8 milhão (mesmo assim, há risco dessa quantia não chegar à Cinelândia até o fim do ano), fez a casa cancelar projetos que dependam de recursos próprios e não tenham obtido patrocínio, como o balé "QuebraNozes". A ópera "Carmen", programada para novembro, segundo a Secretaria de Cultura, também estaria na gangorra. Funcionários do teatro afirmam que, para se manter, a casa precisaria de cerca de R$ 400 mil por mês; hoje, o teatro não chegaria a ter R$ 200 mil por mês.
-- Os tíquetes-refeição de julho e agosto estão atrasados, assim como os vales-transporte de agosto -- diz José Rescala, diretor da Associação do Coro do Municipal.
-- Em julho, deixaram de pagar o vale-refeição para poder pagar a conta de luz -- completa Pedro Olivero, diretor do Sindicato dos Funcionários do Municipal e presidente da Associação do Coro da casa.
José Rescala acrescenta que, com a saída de Conde da Secretaria de Cultura, a situação piora: -- Sem a gente saber quem vai para o lugar dele, fica este vácuo.
Nem sabemos a quem recorrer.
-- A gente está no ar -- conclui o presidente da Associação do Corpo de Baile, João Carvalho.
Segundo a Secretaria estadual de Cultura, dos R$ 1,8 milhão do orçamento de 2007 do teatro, cerca de R$ 500 mil vêm do aluguel do teatro para eventos de fora da casa, como os prêmios TIM e Multishow, os maiores responsáveis por essa fonte de renda. Nos outros casos, como apresentações do Grupo Corpo, o teatro recebe de R$ 7,5 mil a R$ 15 mil (por projeto). Quem realiza o contrato desse tipo de aluguel é a Associação de Amigos do Municipal, que, além desses aluguéis, tem como fonte de renda as doações feitas ao teatro.
-- O dinheiro da Associação de Amigos estava cobrindo os buracos do primeiro semestre. Agora, como até esse dinheiro acabou, a coisa estourou -- diz uma pessoa próxima à administração do teatro.
O principal problema do teatro hoje, além da falta de verba, é a ausência de bailarinos e músicos, num déficit de cerca de 80 profissionais, segundo João Carvalho: o coro tem 90 coristas, mas precisa de mais 30; os instrumentistas hoje são 65, mas o ideal seria cem; e o corpo de baile, que idealmente deveria ter 120 bailarinos, trabalha com 107 (sendo que cerca de 70 deles estão dançando; os restantes têm outras funções, como ensaiador, por exemplo).
-- No último domingo, não houve Domingo no Municipal, pois os 16 instrumentistas contratados, que ajudavam a manter o corpo de músicos, não receberam, logo não foram -- completa José Rescala.
O último concurso para o corpo de artistas do Municipal ocorreu em 2002. De lá para cá, o teatro perdeu bailarinos com nome de peso, como Roberta Marques, Tiago Soares e André Valadão, que saíram do teatro (indo para o exterior) muito devido à inatividade do corpo fixo. Se o último concurso para artistas foi há cinco anos, o último para os setores administrativo e técnico ocorreu há mais de dez. O resultado é que, segundo um funcionário próximo à direção da casa, cerca de 70% dos técnicos e administrativos são terceirizados -- e justamente eles estão com salários atrasados há dois meses:
-- Se eles resolverem deixar de ir, o teatro nem abre.
A crise inclui ainda a gestão do teatro: diretores de associações do corpo de baile e do coro dizem que não estariam tendo acesso a dados sobre a destinação dos recursos recebidos pelos aluguéis do espaço.
-- Além da promessa de aumentar o orçamento da cultura para 1%, o governador havia nos prometido ainda que seríamos consultados na escolha da presidência do teatro, e não fomos -- afirma José Rescala.
A gestão do presidente do Municipal, Luiz Paulo Sampaio, sofreu desgaste também por conta do maestro Guilherme Bernstein, escolhido por ele para conduzir a orquestra.
-- Alguns músicos do teatro o consideram inexperiente, mas isso não é o sentimento geral da casa. O maestro tem feito muito para organizar o setor -- argumenta Jesuína Passaroto, presidente da Associação dos Músicos, que no entanto concorda com as queixas de falta de verba e pessoal. -- Precisamos de 12 violinistas, temos só seis.
O atual secretário de Cultura, Luiz Paulo Conde, reconhece que o teatro foi realmente o mais afetado pelos cortes do governo, mas diz que há uma programação sendo mantida.
-- Há o Cello Encounter. O Domingo no Municipal continua. "Carmen" será em novembro, e "A dama das camélias", em dezembro -- diz Conde, rebatendo as críticas quanto ao pouco número de récitas do corpo de baile. -- O teatro não pode ter só balé. Tem que ter Momix, Orquestra Petrobras, Yo-Yo Ma... O Municipal nunca esteve tão bem.
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