sexta-feira, novembro 10, 2006

Rio, RJ - Panorama da Dança Contemporânea

A matéria abaixo é de autoria de Eduardo Fradkin na capa do Segundo Caderno de O Globo de ontem, quinta-feira, 09 de novembro de 2006. O fonte foi diminuído a fim de tornar o post um pouco menor.

O Rio de Pernas pro Ar
(Eduardo Fradkin)

Julho de 1992 pode parecer, hoje, a Idade das Trevas: o esquema PC Farias vinha à tona e implicava o presidente Fernando Collor, a inflação era de 22,4%, e o dólar estava cotado a Cr$ 3.536 (o equivalente a R$ 4,90). No dia 6 daquele mês, começava a primeira edição do festival Panorama da Dança Contemporânea, com 13 produções cariocas, no Espaço Cultural Sérgio Porto. Um evento modesto comparado ao que se inicia amanhã, rebatizado Panorama de Dança, com 23 atrações do mundo todo, em dez endereços. Em sua 15a edição, ele se tornou o maior do gênero no Rio. Mas, antes que alguém se apresse a dizer que a cena melhorou, é bom lembrar que naquele entrevado mês de julho de 1992, apesar da crise, os cariocas viram também o Dança Rio Festival, nos Arcos da Lapa, com 34 companhias brasileiras, e, poucos dias antes, deslumbraram-se com as atrações internacionais do Carlton Dance Festival e com a IX Mostra de Novos Coreógrafos, da (então) autarquia municipal RioArte. A dança ia bem das pernas. Ia?

- Muitas das ações públicas para a dança, daquela época, foram desfeitas - critica a coreógrafa Lia Rodrigues, que se afastou este ano do Panorama após coordená-lo desde o surgimento, quando era apoiado pelo RioArte. - Hoje, a prefeitura é campeã de projetos extintos ou esvaziados. Mesmo o Centro Coreográfico (único que restou) tomou um rumo totalmente diferente do inicial, quando eu e João Saldanha estávamos envolvidos na sua concepção.

O RioArte, de fato, foi esvaziado e hoje se chama Subsecretaria de Arte e Cultura. Além de manter o Centro Coreográfico, o órgão co-patrocina eventos esporádicos como o Festival Tápias, um saco-de-gatos que inclui grupos escolares, esquetes, vídeo e música. No seu site, ainda estão listadas 13 companhias às quais dá subvenção. Na verdade, dava.

- Acabou no ano passado. A explicação que recebemos era que o projeto de subvenção seria refeito e voltaria num novo formato, melhor e mais abrangente, no fim daquele ano. Até agora, nada - resume a coreógrafa Dani Lima, uma das antigas beneficiárias, assim como a colega Márcia Milhazes, que também reclama da falta de patrocínios.

O próprio festival Panorama de Dança chegou a carregar o nome RioArte durante alguns anos. A parceria com a prefeitura foi desfeita em 2004, devido a atrasos nos repasses de verbas e pagamento de valores abaixo dos que haviam sido combinados.

- Decidimos buscar financiamento através das leis de incentivo fiscal. Hoje, 60% do orçamento vêm de empresas brasileiras. A Petrobras e a Telemar investem pela lei do ICMS. A Funarte e a Caixa Econômica, diretamente. O Sesc e o Teatro Municipal co-produzem alguns espetáculos. Os 40% restantes vêm de instituições internacionais. Conseguimos R$ 700 mil para esta edição. Desde que rompemos com a prefeitura, o orçamento cresceu cerca de 30% - festeja Nayse Lopez, que assumiu a curadoria com Eduardo Bonito, pela primeira vez sem a parceria de Lia Rodrigues.

Artistas pedem apoio contínuo e não só para espetáculos

No início da década de 1990, em pleno governo Collor, no qual as artes (sobretudo as cênicas) foram tratadas com descaso, os bailarinos nem cogitavam pendurar as sapatilhas. A coreógrafa Regina Miranda, participante da primeira edição do Panorama de Dança, dirigia o Fórum de Dança Contemporânea do MAM, que teve duas edições. Lia Rodrigues estava envolvida com o Olhar Contemporâneo, promovido pela Funarte (órgão federal).

- Isso foi muito importante para que eu percebesse a importância, naquele momento, de se ter um espaço de encontro com outros artistas. Éramos vários coreógrafos independentes e companhias cariocas trabalhando sem espaço para mostrar suas criações - diz ela.

O coreógrafo João Saldanha, que trabalhou com Lia na elaboração do Olhar Contemporâneo, afirma que persiste até hoje o problema de falta de espaços para que se mostre a produção artística da cidade:

- Ainda há poucas salas de apresentação para as artes, incluindo a dança. Sem salas, não há mercado de trabalho. O Panorama mostra a necessidade desses espaços.

Outra reclamação recorrente, embasada pelos órfãos do RioArte, é a carência de apoios (patrocínios, aportes ou outros sinônimos) para a manutenção das companhias de dança. Para Lia, a gestão da secretária municipal de Cultura Helena Severo, entre 1993 e 2000, foi um oásis nesse deserto.

- As companhias não sobrevivem sem apoio para as suas atividades cotidianas. Não adianta patrocinar só montagens de espetáculos. Naquela época, as companhias ditavam seus rumos - observa Helena.

Cinelândia abrigará 15 espetáculos

Além das 23 atrações principais do festival Panorama de Dança, com início amanhã e encerramento dia 21, há mostras alternativas, como o projeto Novíssimos. Nele, nove trabalhos realizados por universitários da UFRJ, UniverCidade e Faculdade Angel Vianna serão apresentados, dia 19, no Teatro Nelson Rodrigues, na Caixa Cultural. Uma novidade é o especial 15x15x15, programado para festejar os 15 anos do Panorama: 15 artistas farão performances em 15 espaços da Cinelândia no feriado de 15 de novembro. A maratona começará ao meio-dia em lugares inusitados como o restaurante Assyrius, do Teatro Municipal, o Cine Odeon, a própria Praça Floriano, entre outros. A partir das 20h30m, as ações se concentrarão no palco do Teatro Municipal, com apresentações de espetáculos de Paulo Caldas, de Bruno Beltrão com o Grupo de Rua de Niterói e de João Saldanha.

Os três também integram a programação principal, na qual se contam 12 espetáculos brasileiros.

Entre os grupos de outros estados, um possível destaque será a Verve Cia. de Dança, do Paraná, com “Feique”, que retrata a vida urbana.

Dos internacionais, a curadora Nayse Lopez ressalta: - Mathilde Monnier, da França, bota oito bailarinas dançando rock no palco. A trilha é de P.J. Harvey. A sul-africana Nelisiwe Xaba mostra, em dois solos, o que significa morar naquele continente. De Portugal, João Fiadeiro mistura artes visuais e dança.

Os espetáculos têm preços populares, até R$ 12.

Destaques nacionais e estrangeiros

- PLASTICIZATION E THEY LOOK AT ME AND THAT’S ALL THEY THINK: de Nelisiwe Xaba (África do Sul). Dias 16 e 17, às 19h, no Oi Futuro.

- I AM HERE: de João Fiadeiro (Portugal). Dia 16, às 20h30m, no Teatro Nelson Rodrigues, da Caixa Cultural.

- PUBLIQUE: de Mathilde Monnier (França). Dia 18, às 20h30m, no Teatro Nelson Rodrigues, da Caixa Cultural.

- CAIXA PRETA: de Cláudia Muller (Brasil) e Cristina Blanco (Espanha). Dias 10, 11 e 12, às 18h, no Espaço Sesc Sala Multiuso.

- M, UMA PEÇA MEDIANA: de Maria Clara Villa-Lobos (Bélgica). Dias 11 e 12, às 21h, no Teatro Cacilda Becker.

- LEHMEN LERNT: de Thomas Lehmen (Alemanha). Dia 14, às 20h30m, no Teatro Nelson Rodrigues, da Caixa Cultural.

- BRISA E AN-DANDO: de Rommel Nieves (Venezuela). Dia 10, às 20h30m, no Teatro Nelson Rodrigues, da Caixa Cultural.

- FEIQUE — EM ALGUM LUGAR, PORÉM, AQUI: da Verve Cia. de Dança (Paraná). Dia 12, às 20h30m, no Teatro Nelson Rodrigues, da Caixa Cultural.

- FRAGMENTO PARA COREOGRAFISMOS de Paulo Caldas (Rio). Dia 15, às 20h30m, no Teatro Municipal.

- EU E MEU COREÓGRAFO No63: de Bruno Beltrão (Niterói). Dia 15, às 20h30m, no Teatro Municipal.

- TRÊS MENINAS E UM GAROTO: de João Saldanha (Rio). Dia 15, às 20h30m, no Teatro Municipal.

- FERVO: de Valéria Vicente (Pernambuco). Dias 17 e 18, às 21h, no Teatro Cacilda Becker.

- PORTA DAS MÃOS: de Michel Groisman (Rio). Dias 11 e 12, às 19h, no Oi Futuro .


Fonte: O Globo.

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