quinta-feira, julho 19, 2007

Rio, RJ - Off-Tap - Contemporâneo

Reportagem de Suzana Velasco na capa do Segundo Caderno de 17.07.2007, em O Globo:

Tempo para respirar
Com apoio da Petrobras, grupos de dança têm garantia de projetos por dois anos

As coreógrafas Lia Rodrigues e Márcia Milhazes, segundo elas próprias, poderão respirar por dois anos. A sensação de felicidade misturada com um certo alívio veio com a divulgação, na semana passada, dos patrocinados pelo programa Petrobras Cultural deste ano. Ambas foram contempladas numa das novas categorias da seleção, "manutenção de grupos e companhias de teatro e dança", que destinará R$ 2,9 milhões, em cada um dos dois anos, para dez companhias. As de Lia e Márcia foram as duas cariocas selecionadas e receberão anualmente R$ 490 mil e R$ 320 mil, respectivamente. A carioca DeAnima também foi contemplada, mas entre "projetos de produção cultural inclusiva". Com R$ 300 mil, em cada um dos dois anos, ela vai criar a companhia DeAnima2, com jovens de comunidades carentes.

A novidade na categoria de manutenção de companhias é uma prévia para a retirada do patrocínio da Petrobras a 17 de 20 grupos de dança e teatro, que tinham patrocínio contínuo da empresa. À exceção de Teatro Oficina, Grupo Galpão e Grupo Corpo, as outras companhias financiadas pela Petrobras -- como Armazém, Cia. dos Atores e Quasar -- terão que se submeter à seleção anual para conseguirem patrocínio.

Ficam ainda mantidos o financiamento ao programa social do coreógrafo Ivaldo Bertazzo e à Companhia de Dança Deborah Colker, que é patrocinada pela BR Distribuidora.

-- A categoria foi criada porque havia uma demanda muito grande de companhias -- afirma Eliane Costa, gerente de patrocínios da Petrobras. -- Por isso, vamos migrar a maioria dos grupos já patrocinados para o processo de seleção pública. A idéia é que no ano que vem ainda mais companhias sejam selecionadas.

Enquanto quem tinha patrocínio garantido ficou com futuro incerto, Lia e Márcia vão poder dar continuidade a seus projetos, pelo menos por dois anos -- no fim dos quais elas apresentarão novas criações.

Homenageada pelo programa, a Lia Rodrigues Companhia de Dança vai ter garantia para manter seus 12 bailarinos e seis estagiários -- que, sem contar com as temporadas de espetáculos, trabalham oito horas por dia, de segunda a sexta-feira -- e pagar o aluguel de sala de ensaio e professores.

-- Meu grande projeto é sobreviver, continuar a trabalhar -- diz a coreógrafa, que está em cartaz no Espaço Sesc com "Encarnado". -- Não existe mercado para dança no Brasil, e as companhias têm que pagar salários, professores, aluguel e manutenção de espaço. A situação é sempre muito precária, e o patrocínio vai ajudar a companhia a respirar.

A companhia de Lia, existente há 17 anos, foi patrocinada por dois anos pela Brasil Telecom, mas, nos últimos três, têm sobrevivido sobretudo dos produtores estrangeiros e dos espetáculos realizados no exterior.

O mesmo se dá com a Márcia Milhazes Companhia de Dança, que apresentou seu último espetáculo, "Tempo de verão", mundo afora. Só agora, com o patrocínio, ela vai conseguir fazer uma efetiva turnê pelo Brasil. As duas coreógrafas elogiam o Sesc, que tem conseguido impulsionar a dança carioca e a nacional.

Márcia, por exemplo, é uma espécie de residente do espaço, usando-o para ensaiar seus quatro bailarinos.

-- Se não tivesse o Sesc para ensaiar, não sei onde estaria -- diz Márcia, que tem o grupo há 14 anos. -- Esse patrocínio dá uma satisfação profunda, porque é grande a luta para manter a companhia viva e com uma certa dignidade. Vivemos na corda bamba de não saber o que vai acontecer amanhã. Mas nada muda na criação. Jamais a minha obra se estagnou, jamais deixamos de manter nossa carga de trabalho diária.

O patrocínio já vai ajudar Márcia na estréia, no fim deste ano ou no início de 2008, do espetáculo que vem criando. E vai culminar com um projeto de uma grande instalação em parceria com a irmã, a artista plástica Beatriz Milhazes. Já a DeAnima vai retirar dois jovens de seus projetos sociais já existentes -- parcerias com a Casa do Pequeno Jornaleiro (Fundação Darcy Vargas) e a Fundação para a Infância e a Adolescência -- e selecionará outros 12 para formar a DeAnima2. O objetivo é que, no fim de dois anos, o novo grupo já apresente um espetáculo.

-- Buscamos jovens de comunidades que já tenham uma formação em dança e demonstrem um grande talento. Vemos gente de exceção em projetos sociais, mas não tínhamos condições de investir nesses jovens e encaminhá-los para o mercado de trabalho -- afirma Roberto de Oliveira, que dirige o grupo com Richard Cragun. -- É uma pena que não haja outras iniciativas como essa. O estado não está fazendo nada, a prefeitura não está fazendo nada e o que não falta no país é talento.


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