quarta-feira, setembro 19, 2007

Porto Alegre, RS - Off-Tap - Julio Bocca

Reportagem de Alessandra Duarte, enviada especial de O Globo a Porto Alegre, publicada em 19.09.2007:

A despedida de Bocca no auge da festa

Em Porto Alegre, onde se apresenta hoje e amanhã, o bailarino argentino fala de sua carreira e de seus projetos

Como alguém que quer ir embora de uma festa antes que ela desanime, o bailarino e coreógrafo argentino Julio Bocca vai parar de se apresentar e de coreografar enquanto sua dança ainda o diverte. Dentro da última turnê dos seus 27 anos de carreira, que será encerrada com uma apresentação ao ar livre em dezembro, em Buenos Aires, o virtuose da dança apresentará "BoccaTango", hoje e amanhã, na 14aedição do festival Porto Alegre em Cena. "BoccaTango" é a festa com a música ainda boa.

-- É um espetáculo de que gosto. No meu último ano de carreira, quero viajar com algo que me faça sentir bem — disse Bocca na última segundafeira, quando chegou a Porto Alegre. -- "BoccaTango" é divertido, sensual e alegre.

Acompanhado por dois cantores, oito bailarinos e uma orquestra, Bocca mostrará o tango que criou para a música de Astor Piazzolla, autor da maior parte das composições utilizadas.

"BoccaTango" estreou em 2001 na Argentina, onde já teve 20 mil espectadores. No espetáculo, ele promete mudar o que o senso comum pensa sobre o tango, "aquela história de uma flor vermelha, como os espanhóis":

-- Nossa origem vem daí, mas nosso tango é outra coisa. Não somos tão chorões. Somos mais sensuais, mais rítmicos -- sublinha ele, e estala os dedos. -- Mais agilidade.

A preferência pelo tango está ligada à própria iniciação de Bocca na dança. Sua mãe, que foi sua primeira professora na área, usou as danças folclóricas argentinas e o tango, sobretudo o de Piazzolla, para ensinar o filho, então com 4 anos, a bailar.

-- Cresci ouvindo Piazzolla e depois tive a sorte de conhecê-lo. Para mim, a relação da música com o movimento é muito mais fácil de se entender por meio dele -- afirma Bocca, que faz uma definição pouco ortodoxa do tango. -- O tango tem o encanto da pizza de mozarela. O encanto das coisas cotidianas. Sempre procuro pôr algo dele nos meus espetáculos.

Bocca no Rio: "Imagine um menino de 15 anos feliz"

O início foi no tango, mas a forma de trabalho que Bocca aplica em seu grupo, o Ballet Argentino (que continuará a dirigir), vem muito do que aprendeu com companhias como o Ballet Bolshoi e o American Ballet Theatre.

-- Foi uma prova de fogo, que me fez poder formar minha companhia mais tarde — diz o bailarino, cuja carreira se iniciou na Venezuela. -- Comecei a me apresentar aos 14 anos, em Caracas. Aos 15, fui trabalhar no Teatro Municipal do Rio. Imagine um menino de 15 anos atuando como primeiro bailarino em "La fille mal gardée" e "Copélia", com Ana Botafogo. Eu era o bebê da companhia. Naquela época trabalhávamos muito no Teatro Villa-Lobos. À esquerda, o teatro; à direita, a Praia de Copacabana. Então, imagine um menino de 15 anos feliz.

A aposentadoria aos 40 anos só abrirá exceção para trabalhos como diretor e professor de dança. Seu principal projeto, agora, é uma escola de arte para jovens. Ao falar dele, Bocca revela a falta de apoio ao principal nome argentino na dança mundial em seu próprio país.

-- No Brasil é mais fácil. Na Argentina, não há leis de incentivo. A escola que pretendo criar contará apenas com recursos meus. Minha companhia de dança, mantenho eu. Minha fundação, mantenho eu. Nosso único patrocinador, para projetos de educação como levar aulas gratuitas ao interior da Argentina, é a Petrobras.

Perguntado se a decisão de parar deriva do desejo de sair no auge, Bocca responde que não, mas complementa:

-- Acho boa a idéia de sair bem. Poderia continuar, mas respeito muito minha carreira para isso. Não gosto de ver artistas que se apresentam mas que já não poderiam mais estar em cena. Também quero deixar o caminho para gente mais jovem. A dança é para os jovens. Ela precisa de experiência, mas também do corpo e do frescor.

Julio Bocca diz que a consciência de que vai se aposentar no fim do ano não o afeta no palco, onde esquece que está "cansado de ter compromissos e horários". É este cansaço que o faz soltar um sopro de alívio e confessar seu verdadeiro primeiro projeto após a despedida:

— Acordar da bebedeira.

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