sexta-feira, agosto 17, 2007

Rio, RJ - Off-Tap - Contemporâneo

Matéria de Suzana Velasco no Segundo Caderno de O Globo de ontem, 16.08.2007, sobre o espetáculo de Ivaldo Bertazzo no Rio:

'Mar de gente' de todo e qualquer lugar
Fernanda Montenegro participa de espetáculo do coreógrafo Ivaldo Bertazzo, que dá caráter teatral à dança

Primeiro a Índia, depois a África e, agora, o mundo todo. Ivaldo Bertazzo volta os olhos e os corpos dos bailarinos para a evolução da Humanidade em seu novo espetáculo, "Mar de gente", que estréia hoje [16.08.2007], às 19h, no Teatro Carlos Gomes. É a terceira produção do coreógrafo e educador do movimento com os jovens do projeto Dança Comunidade, e a primeira da recém-fundada Companhia TeatroDança Ivaldo Bertazzo.

Além dos gestos mais teatralizados -- porém, segundo o coreógrafo, fugindo da estereotipia —, "Mar de gente" conta com a ilustre participação de Fernanda Montenegro, que está longe do teatro há seis anos.

Não é propriamente uma volta à dramaturgia. A atriz faz cinco pequenas intervenções antes de cada bloco de coreografias, interpretando textos de Andréa Bassit sobre a (im)permanência do ser humano, suas origens e seus destinos.

-- O que eu faço é uma visita, um pouco mais do que uma simples vinheta antes de cada dança -- explica Fernanda, que há muitos anos acompanha o trabalho social de Bertazzo. -- Vejo a disciplina que ele imprime no elenco e a humanidade com que organiza essas pessoas. Ele parte do princípio de que todo mundo dança e pode dançar, indiscriminadamente. Para mim, não deixa de ser uma experiência conseqüente do ponto de vista social.

-- Fernanda vinha ao teatro e ficava conversando com os bailarinos, queria que eles valorizassem o momento pelo qual estavam passando -- conta Bertazzo. -- Em "Mar de gente", ela acentua uma idéia simbólica dos gestos, mas não dirige o pensamento do público.

Os 30 bailarinos ainda não falam em cena, mas, segundo o coreógrafo, caminham para isso. De comunidades carentes, eles vêm se formando com Bertazzo há quatro anos, desde que ele criou o projeto vinculado a sete organizações nãogovernamentais de São Paulo.

Depois de terem dançado nos espetáculos "Samwaad -- Rua do encontro" (2004), com referências à Índia, e "Milágrimas" (2005), que unia Brasil e África, eles evoluíram e, hoje, são vistos como profissionais por Bertazzo, prontos para dar corpo a uma companhia -- e ser avaliados como tal.

-- Se o público perceber que o bailarino é da periferia, o espetáculo está furado. Essa condição deve ser esquecida -- afirma ele, acrescentando estar em busca de uma criação teatral mais completa, e citando grupos identificados com a dramaturgia, e não com a dança. -- É uma procura do teatro musical brasileiro. Aquele teatro que começou na Urca e se manteve até a ditadura, com o Opinião, o Arena. A gente tem que capacitar o jovem para cantar e dançar, para ter pleno conhecimento do uso do palco, de suas linhas e volumes.

Em "Mar de gente", apesar de a busca ser pelo homem universal, Bertazzo utiliza muitas referências de gestos e músicas do Leste Europeu, de diversas épocas.

Estão ali uma peça tcheca de Leos Janacek, uma canção húngara de Marta Sebestyen e a música cigana contemporânea do Les Yeux Noirs, além de sons da Bulgária, da Rússia e também do Egito. No figurino de Fábio Namatame, há um tom folclórico, mas as roupas, segundo Bertazzo, poderiam ser de habitantes do Paquistão ou de Juazeiro do Norte; de qualquer lugar do mundo.

-- Nada mais tem herança, nada mais tem continuidade. Por isso a gente é finito. A única coisa que faz o homem não perecer é o imaginário -- diz Bertazzo, que fará um workshop, na semana que vem, para terapeutas, educadores e profissionais da dança, do teatro e dos esportes. -- A herança cultural é para quem quiser, não tem dono. Existe música nordestina com raiz bretã. O segredo é não se fechar. Nesse espetáculo, os homens são de qualquer lugar do mundo.

Em São Paulo, "Mar de gente" contou com a participação da atriz Denise Del Vecchio e, em Belo Horizonte, com Yara de Novaes. Mas Bertazzo diz se sentir estreando no Rio, onde recebe um público cativo, que o acompanha desde os anos em que, na cidade, trabalhou com o Corpo de Dança da Maré. À intimidade com o Rio soma-se a descontração de Fernanda Montenegro, que diz estar "solta" no palco.

-- Um amigo me perguntou se eu não queria brincar com ele -- diz a atriz, mostrando como vem encarando a experiência. -- É um companheirismo de gente vocacionada que se encontra pela vida. O palco é um lugar bonito, o convite foi bonito e a boniteza é uma coisa confortadora.

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